William Petty foi um dos primeiros pensadores que desenvolveu a “arte de raciocinar com algarismos sobre as coisas relacionadas com o governo…” Nos dias de hoje seria classificado como um economista quantitativista ou embrião de um econometrista, embora dominasse habilidades tão diferentes quanto a medicina, a música e línguas como o latim, o grego e o francês. Nasceu em 1623 num momento de grande expansão do comércio e faleceu sessenta e quatro anos depois, em 1687, tendo publicado em vida apenas um ensaio: Tratado sobre Impostos e Contribuições, resultante de sua experiência como proprietário e avaliador de terras na Irlanda (ocupada na época de Cromwell), em 1662. As demais obras foram póstumas. Pode ser considerado um dos precursores da escola clássica e fundador da estatística econômica (descritiva). Petty nutria uma especial predileção pelas finanças públicas. E não se pode falar em finanças públicas sem mencionar a palavra impostos. Em um de seus mais importantes ensaios, A Treatise of Taxes (Tratado sobre Tributos), Petty enumera algumas causas que tornam a tributação ineficiente. Uma delas é exatamente a ignorância do número, da riqueza e do comércio de um povo. Mas Petty preocupava-se não apenas com a arrecadação, ou a receita, mas também contabilizava as despesas: dirigia suas baterias contra os gastos supérfluos ou repassados pelo monarca “aos favoritos”, que obrigavam o governo a tributar em demasia. Alertava que os impostos deveriam recair de preferência sobre o que os homens gastam (especialmente sobre bens de luxo) e não sobre o que ganham para não desencorajar o aumento da produção. Petty tinha como referência a Holanda, onde se tributava pesadamente, mas nem por isso o país deixava de enriquecer. Afirmava que o povo ou os que pagam impostos acredita que o soberano sempre tira mais do que necessitava. Em outras palavras, que os impostos poderiam ser menores. Mas contestava esta crença dizendo que, se o soberano tivesse certeza de obter o que necessitasse no momento devido, seria ele próprio o maior prejudicado se fizesse o contrário. Por quê? Ao tirar mais dinheiro das mãos dos súditos para entesourar (ou gastá-lo de forma perdulária), estaria inibindo que estes ampliassem seus negócios, prejudicando, portanto, o reino cuja riqueza e poder não aumentariam. Sua obra mais importante, no entanto, é a Political Arithmetick (Aritmética Política), na qual estabelece uma comparação entre o poderio econômico e militar da Inglaterra e as potências rivais da época, França e Holanda. Nesta obra, Petty expressa-se em “números, pesos e medidas”. E não poderia ser de outra maneira, pois como comparar a economia e o poderio militar entre os países a não ser pelo número de navios, capacidade dos portos, terras agricultáveis e produção de alimentos possuídos por cada um? Petty examina então as condições do principal rival da Inglaterra na época: a França. Potências navais devem ser avaliadas pelo número e capacidade de seus navios — mercantes e de guerra — e também pela infraestrutura naval necessária para colocá-los em operação. Petty desce a detalhes impressionantes, realizando uma análise que hoje é denominada de pontos fortes, fracos, ameaças e oportunidades. Começa dizendo que “o poderio marítimo consiste principalmente em homens, capazes de lutar no mar, e de embarcações adequadas aos mares onde servem”. Conclui que os ingleses tinham superioridade nos mares do norte, pois nestes mares eram necessários navios de grande porte com grande tripulação e que não dependessem — para navegar — da direção dos ventos. Os franceses, por não possuírem portos adequados, somente poderiam ter navios menores que dependiam de vento pela popa para navegar, de menor tripulação e que poderiam ser alcançados pelos canhões dos navios ingleses antes que estes pudessem danificá-los com suas baterias. Além disso, os navios ingleses eram mais altos, o que dificultava a abordagem por parte de um navio mais baixo, e tinham maior eficiência nos disparos de armas de menor calibre quando as embarcações se aproximavam. Embora os franceses tivessem condições de fabricar navios tão poderosos quanto os ingleses, não poderiam usá-los no Mar do Norte pelas razões já explicadas. Ou seja, as diferenças naturais — falta de portos adequados — seriam insuperáveis (para tranquilidade do rei da Inglaterra!). Petty chama a atenção, também, para o fator mão de obra. Começa assinalando que a França possui menor frota mercante do que a Inglaterra, e no caso da transferência de marinheiros para a atividade de guerra os franceses não conseguiriam uma tripulação suficiente para se equiparar aos ingleses. Em primeiro lugar, porque para formar um marinheiro se leva em média três anos e são necessários três marinheiros experientes para formar um novo, o que torna a tarefa inviável para os franceses. Para compensar a diferença, os franceses teriam de contar com pessoal de terra — não treinado — ou com mercenários de outras nacionalidades, menos confiáveis do que os nacionais. A conclusão de Petty é que tais vantagens permitiram que o “Rei da Inglaterra tenha mantido por tantos anos seu título de soberano do Mar da Irlanda e do Canal da Mancha contra seus vizinhos (suficientemente ambiciosos para os terem tirado de lá) se os impedimentos de que estes vizinhos sofrem não fossem naturais e perpétuos como os que afirmamos pesar sobre o rei da França”. Petty compara as vantagens inglesas sobre as francesas, mas não pode deixar de observar que os holandeses — em ascensão — tinham até maiores vantagens do que as deles. Os ingleses “viviam num território onde qualquer lugar da Inglaterra, Escócia e Irlanda não fica a mais de 12 milhas do mar… enquanto na França esta distância supera as 65 milhas… os mesmos vinhos que no interior da França são vendidos a 4 ou 5 libras o tonel, perto dos portos custam 7 libras”. Na Holanda e na Zelândia, por outro lado, “dificilmente há algum trabalho que fique a mais de uma milha de uma via aquática navegável”. E o custo do transporte aquático é bem menor do que o terrestre. Petty afirma que os impedimentos para a grandeza da Inglaterra não são naturais — como no caso da França —, mas circunstanciais e, portanto, removíveis. Ele menciona seis obstáculos, dentre os quais se destacam os políticos, os militares e os institucionais. O primeiro é o fato de os territórios a ela pertencentes estarem muito distantes uns dos outros. Divididos pelo mar em ilhas, em países separados com governos e poderes legislativos diversos, em vez de unir, muitas vezes faz com que os interesses se oponham, colocando barreiras e impedimentos uns ao comércio dos outros, não apenas como se fossem estrangeiros, mas até como se fossem inimigos. O governo da Nova Inglaterra (atual Estados Unidos, então colônia inglesa) é tão diferente daquele “que Sua Majestade exerce sobre outros domínios que é difícil dizer que consequências advirão disso”. Mal sabia Petty que cerca de um século depois essa colônia se tornaria independente e a Inglaterra perderia um de seus domínios mais rentáveis. Mas, prossegue Petty, a metrópole tinha um custo adicional, pois “governos pequenos e distantes têm muita dificuldade para se defender; assim a carga de proteger a todos recai sobre o reino principal da Inglaterra”. E completava lamentando-se: “… todos os reinos e domínios menores, em vez de serem adições, são de fato diminuições”. Se o custo de manutenção de uma colônia é maior do que a metrópole extrai dela, não vale a pena mantê-la, a não ser que sejam indispensáveis à segurança da própria metrópole. O segundo obstáculo mencionado por Petty que conspira contra a grandeza da Inglaterra tem origem em questões institucionais: a existência de divergências sobre as prerrogativas do rei, os privilégios do Parlamento, e “…as obscuras diferenças entre lei e equidade e também as jurisdições civil e eclesiástica”. O terceiro impedimento é que sendo a Irlanda um país conquistado não é feita uma união natural e firme entre o seu povo e o da Inglaterra “mediante o deslocamento de pessoas e uma miscigenação proporcional”. Este desequilíbrio populacional de 1 para 10 obrigaria os ingleses a manter um exército na Irlanda (como faziam os romanos para manter colônias e domínios distantes, ou mesmo Portugal até o século XX, especialmente com suas colônias africanas) “… a expensas de ¼ de todas as rendas daquele reino”. O quarto impedimento refere-se à estrutura tributária inglesa. Petty critica o fato de os impostos não serem lançados sobre o que é gasto mas sobre a propriedade, especialmente sobre a propriedade da terra. Além disso, a cobrança não se fazia por um padrão igual e imparcial, mas pela predominância casual de partidos e facções, gerando favoritismos e perseguições. E esta desorganização e ineficiência causariam um custo elevado da cobrança, sendo que os pobres pagariam o dobro do que o rei efetivamente receberia. O quinto impedimento seria a desigualdade dos condados, dioceses e paróquias, freguesias e outras divisões territoriais, e suas representações no Parlamento, o que prejudicaria o exercício da autoridade. Em sexto lugar, Petty mencionava a separação entre o poder de fazer a guerra e o de levantar dinheiro para financiá-la. Esses poderes não se encontravam nas mesmas mãos. William Petty não apenas analisava as questões gerais econômicas que permitiam a um país tornar-se rico como também abordava questões bem concretas no plano político, administrativo, institucional e militar com o objetivo de identificar obstáculos e tentar superá-los para tornar a Inglaterra o país mais poderoso da Europa. Veja também Escola Clássica; Mercantilismo; Mun, Thomas; Smith, Adam.