O maior projeto particular de exploração da totalidade de um território até hoje realizado por um empresário individual, em todo o mundo. Para boa parte da opinião pública brasileira, foi o símbolo mais acabado dos privilégios concedidos ao capital estrangeiro no período pós-64. Em 1966, o ex-ministro do Planejamento Roberto Campos manteve contatos com o norte-americano Daniel Keith Ludwig, no sentido de que investisse no Brasil. Em 1967, Ludwig comprou, no município paraense de Palmeirim, uma área inicial de 12 mil km2 — equivalente a mais da metade da superfície de Sergipe —, ao preço de 40 cents o hectare. Era um verdadeiro enclave sob controle estrangeiro, delimitado a leste pelos rios Jari e Cajari, afluentes do Amazonas; a oeste por outro afluente, o Paru, e ao sul pelo próprio Amazonas. Ao norte, a região do projeto encontrava terras devolutas da União, que se estendem até o Suriname. A exploração e comercialização dos recursos desse vasto território foram entregues a duas companhias, a Jari Florestal e Agropecuária e a empresa de Comércio e Navegação Jari Ltda. O principal investimento por elas empreendido foi a instalação de uma fábrica de celulose no porto fluvial de Mangaba. Sua capacidade é de 750 toneladas diárias de pasta de papel, destinada à exportação para a Europa e Estados Unidos. A instalação da fábrica exigiu diversos investimentos complementares. Para o suprimento de matérias- primas necessárias à produção da pasta de papel, plantaram-se 100 mil hectares, sendo 40 mil de Pinus caribes, árvore originária da América Central, e de Gmelina arborea, uma essência nativa da África. Surgiu também uma fábrica de compensado de madeira e laminados, apta a aproveitar as árvores que ultrapassavam as especificações da indústria de celulose. Além disso, foram construídas uma usina de energia e uma ferrovia de 270 km. A Jari contava ainda com 300 km de rodovias compactas, transitáveis o ano todo, outros 200 km de estradas secundárias e ainda 4 mil km de estradas de terceira linha, a interligar os 200 mil hectares de florestas que deveriam ser preservadas. Paralelamente à exploração de madeira, previa-se a conservação em pastagens de 45 mil hectares das áreas baixas, com a perspectiva de formar, em dez anos, um rebanho de búfalos e gado nobre. Outras áreas compreendidas entre os rios Arraiolos e Amazonas foram destinadas ao cultivo do arroz, para fins de abastecimento local e exportação. Além disso, é fato sabido que a Jari desenvolveu intensas pesquisas de recursos minerais na região que lhe pertencia e mesmo fora dela. Há informações de que existiam vários núcleos de pesquisa de minérios, cujo acesso era vedado aos raros visitantes do projeto. Na verdade, até meados da década de 70, as terras do Projeto Jari constituíram quase um país estrangeiro, “o país de Ludwig”. Sua segurança foi entregue a militares aposentados, sobretudo da Aeronáutica e da Polícia Militar do Pará. Ninguém desembarcava no aeroporto de Monte Dourado, “capital” do Projeto Jari, sem prévia triagem em Belém ou no Rio de Janeiro. A excessiva autonomia talvez tenha contribuído para a crise do Projeto Jari, desencadeada em 1979. Faltava a regularização dos títulos de propriedade de 1,6 milhão de hectares de terras, e o governo brasileiro negava-se a assumir encargos mínimos de infraestrutura, rede escolar e assistência médica no “país estrangeiro”. Aos 85 anos de idade, recuperando-se de uma cirurgia e de relações praticamente cortadas com o governo brasileiro, Ludwig dispôs-se a vender o Jari (embora conservasse outros investimentos no Brasil). Em 1980, o grupo Ludwig foi vendido a um inédito condomínio envolvendo 22 das maiores empresas privadas do Brasil, entre as quais estavam oito bancos e sete construtoras. A operação foi coordenada pelo ministro Antônio Delfim Neto (1980) e por Augusto Trajano de Azevedo Antunes, um dos maiores empresários do setor da mineração. Basicamente, a transação envolveu US$ 280 milhões, mais dividendos, que seriam pagos no prazo de 35 anos. Desde logo, o Banco do Brasil se comprometeu a “bancar” a dívida de US$ 200 milhões assumida por Ludwig no exterior com o aval do então Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE); em 1982, ela deveria ter diminuído para US$ 180 milhões, montante que seria transformado em ações preferenciais (sem direito a voto) da Nova Companhia do Jari. Além disso, o governo propunha-se a destinar os recursos necessários à transformação da área do Jari em um polo de desenvolvimento, livrando os empresários de arcar com os pesados encargos financeiros para a manutenção de infraestrutura do projeto. Os encargos iniciais do setor privado eram de US$ 100 milhões — dos quais US$ 60 milhões em dinheiro —, pagos em três anos. A partir de março de 1980, a nova Florestal Monte Dourado iniciou a mistura de espécies nativas com madeira de floresta homogênea na produção de celulose, por ter sido verificado que as plantações de gamelina não estariam em condições, por si sós, de suprir a fábrica de modo a se obter plena utilização de sua capacidade instalada. No ano 2000, a Fundação Orsa adquiriu a fábrica de celulose por simbólicos US$1 e assumiu uma dívida de 4,5 milhões de dólares. A Florestal Monte Dourado comprometeu-se a ceder, sem nenhum ônus, os imóveis, instalações e equipamentos de hospital de Monte Dourado e os centros de saúde das vilas de Planalto, São Miguel e Bananal, contribuindo para o custeio do programa com 8% de um salário mínimo por empregado próprio e exigindo dos empreiteiros a contribuição de 5% de um salário mínimo por empregado registrado. O restante das verbas para custeio do projeto estaria vinculado ao Ministério da Saúde.