Economista inglês, considerado o mais legítimo sucessor de Adam Smith; suas ideias dominaram a economia clássica por mais de meio século. Após uma brilhante carreira na Bolsa, dedicou-se ao estudo da economia e escreveu artigos para jornais. Seu primeiro livro, O Preço Elevado dos Lingotes de Ouro, uma Prova da Depreciação das Notas de Banco (1810), explica a depreciação das notas bancárias, o movimento dos preços e dos fluxos de comércio e o volume de moeda. Em Ensaio sobre a Influência do Baixo Preço do Trigo sobre os Lucros (1815), analisa problemas específicos da cultura de cereais na Grã-Bretanha. Propostas para uma Circulação Monetária Econômica Segura (1816) é a base de seu trabalho mais importante, Princípios de Economia Política e Tributação (1817). Em 1824, um ano após sua morte, foi publicado Plano para um Banco Nacional. Nos Princípios de Economia Política e Tributação, Ricardo deu uma enorme contribuição à teoria do valor e da distribuição. Em sua análise dos problemas econômicos, construiu um modelo teórico fundamentado numa economia predominantemente agrícola, procurando determinar as leis que regulam a distribuição do produto entre as diferentes classes da sociedade e localizando no trabalho o valor de troca das mercadorias. Apesar disso, acreditava que os custos do capital podem influenciar os preços e que o aumento dos salários sobre os preços relativos depende da proporção desses dois fatores de produção. Para Ricardo, a renda relaciona-se com o aumento da população. Acreditava que a maior demanda acarretada por esse aumento da população exige o cultivo de terras menos férteis, nas quais o custo de produção é mais elevado do que em terras mais férteis. Mas custos e lucros deveriam ser mantidos no mesmo nível nos dois casos, pois, de outro modo, as terras de pior qualidade deixariam de ser cultivadas. Mesmo com essas medidas, no entanto, os arrendatários das melhores terras acabariam tendo uma maior receita, independente do trabalho e do capital aplicados na produção. Essa diferença em seu favor (ou o excedente sobre o custo da produção) constituiria a renda da terra apropriada pelo proprietário. Assim, a renda de determinada terra seria a diferença entre o valor da colheita dessa área fértil e da colheita de outras menos férteis. Com o inevitável crescimento da renda diferencial da terra, os proprietários rurais iriam se apossando de maior percentual do excedente econômico, em detrimento dos capitalistas. Ricardo previa a ocorrência de um “estado estacionário”, resultante do crescimento populacional e responsável pelo cultivo de terras cada vez menos férteis. Ao chegar a determinado limite, o lucro seria tão baixo que a acumulação de capital simplesmente cessaria, prejudicando o desenvolvimento econômico. Para adiar esse “estado estacionário”, seria necessária a aplicação de um programa econômico liberal. Ricardo formulou também a Lei dos Custos Comparativos (ou Lei das Vantagens Comparativas), com que procurou demonstrar a vantagem de um país importar determinados produtos, mesmo que pudesse produzi-los por preço inferior, desde que sua vantagem, em comparação com outros produtos, fosse ainda maior. Essa lei constitui ainda hoje uma parte importante da teoria do comércio internacional. RICARDO E O CONCEITO DE EXCEDENTE. As teorias do valor e da distribuição clássicas podem ser entendidas de forma simplificada a partir do conceito de excedente. Tal conceito nada mais é do que a parte do produto restante de uma economia, após garantida a subsistência dos trabalhadores (salário) e a reposição dos meios de produção (capital fixo e circulante), que assegure a reprodução deste produto na mesma escala no próximo período. Estas teorias representam o núcleo teórico da análise econômica para o pensamento clássico. Neste âmbito, os clássicos pretendem determinar a taxa de lucro e os preços relativos. A análise toma como dados os salários reais, o nível e a composição do produto e as condições técnicas de produção. Isto não significa que as questões da determinação do nível de produto e da acumulação estivessem fora da análise dos clássicos, muito pelo contrário. Na verdade, poder-se-ia dizer que a análise do produto é conduzida separadamente daquela do valor e da distribuição, na medida em que supõe os preços e a distribuição como dados. No caso das questões sobre acumulação, percebe-se também que estas aparecem de forma muito mais aplicada. Com a exceção do trabalho de Ricardo, o processo de acumulação não surge fundamentalmente como uma questão teórica, mas como uma questão de política econômica a ser resolvida a partir da compreensão das principais forças determinantes dos movimentos do sistema econômico capitalista. Isto supõe que os elementos de valor e distribuição já estejam equacionados. As questões da determinação do tamanho e da composição do produto, bem como as da acumulação (variação no tamanho do produto) se dão, portanto, fora do núcleo da teoria clássica. Alterações no produto irão implicar, em geral, diversos padrões de mudança nos preços relativos e na taxa de lucro. Assim, no pensamento clássico, especialmente em Ricardo, as teorias do valor e distribuição são separadas formalmente da teoria do produto e da descrição do processo de acumulação. Isto quer dizer que o estudo do valor e da distribuição na forma clássica deixa em aberto a questão da determinação dos níveis normais de produto e emprego. A Distribuição e a Acumulação no Ensaio -No entanto, o papel da teoria do valor só é importante a partir da segunda fase da obra de Ricardo, até porque a apresentação da sua teoria dos lucros no Ensaio não depende desta teoria. Naquele texto, que compõe o grupo de trabalhos originais do autor contidos neste fascículo, Ricardo faz uso do que podemos chamar de modelo de um único bem necessário, no caso, o trigo. Sua análise parte de uma dada quantidade de trigo como meio de produção, na forma de salário, com a qual será possível obter uma produção de trigo maior do que a inicialmente aplicada. Assim que forem pagos os salários, ou seja, logo que os meios de produção tiverem sido recompostos, o que sobra é o excedente, que vai para as mãos dos proprietários de terra e de capital, na forma, respectivamente, de renda da terra e lucro. Para alcançar o objetivo de determinar a taxa de lucro, Ricardo afirma que, sendo a fertilidade da terra variável, os capitalistas entrarão em concorrência para estabelecer quem fica com a melhor. Esta concorrência dará origem ao pagamento de renda aos proprietários das melhores terras no montante igual à diferença entre o excedente obtido em cada terra e aquele obtido na terra de pior qualidade que estiver sendo utilizada na produção. Tal terra não pagaria renda e a taxa de lucro seria o resultado da relação entre o capital adiantado nesta terra e seu excedente. Isto é, o excedente será transformado totalmente em lucro do capitalista. Mas o que acontece quando a população cresce e a demanda por trigo aumenta? Ricardo afirma que um crescimento da população obrigará a utilização de terras cada vez menos produtivas, o que significa que na terra menos fértil o excedente será progressivamente menor e com ele a taxa de lucro cairá. Por outro lado, a renda aumentará continuamente nas terras mais férteis, pois a diferença entre estas e as de menor fertilidade aumentará. A taxa de salário real se mantém fixa no nível de subsistência, embora o trabalhador deva receber um salário monetário maior para adquirir a mesma quantidade de alimentos que se tornaram mais caros, pois são produzidos a custos mais elevados nas terras menos férteis. E é o preço deste trigo que estabelece o preço de mercado de todo o trigo produzido no país. Este raciocínio pelo qual Ricardo chega a sua teoria dos lucros pode ser mais bem entendido com base no exemplo presente no próprio Ensaio, exposto na tabela abaixo com algumas pequenas modificações.
[INSERIR TABELA]
Em que: A, B, C = tipos de terra em ordem decrescente de fertilidade; Trabalho = número de trabalhadores; Capital = o número de trabalhadores multiplicado pelo salário anual do trabalhador; salário anual de um trabalhador = 10 kg de trigo; PB = produto bruto que, por hipótese, se quer obter de cada unidade fixa de referência em cada tipo de terra = 300 kg de trigo; P = excedente (que neste caso específico é igual ao produto líquido). No tempo I, Ricardo supõe que exista uma determinada demanda por trigo cuja necessidade de atendimento implicaria na produção de trigo utilizando apenas as terras de melhor qualidade disponíveis (terras tipo A). Neste caso, não existe renda da terra no sistema e a taxa de lucro será uma razão, em termos físicos, entre o trigo utilizado como capital e os lucros totais obtidos nesta terra. Porém, com o crescimento da população, no tempo II, se ampliaria a demanda de trigo da economia e se tornaria necessário colocar em produção terras de qualidade inferior (terra tipo B). Se as terras do tipo A precisam de 20 trabalhadores, recebendo como salário 10 kg de trigo cada e as terras de tipo B precisam de 21 trabalhadores para produzir 300 kg de trigo, passa a existir uma diferença de custo de produção (expresso na quantidade maior de trabalhadores necessária para a obtenção do mesmo produto bruto) entre estas terras que determinará o aparecimento de renda na terra de melhor qualidade. No tempo II, a terra B, menos fértil, não pagará renda e sua taxa de lucro será determinada dividindo o excedente nela obtido pelo capital nela empregado. A concorrência entre capitalistas faria com que aparecesse a renda na terra mais fértil, de tal forma que a taxa de lucro seria equivalente em todas as terras independentemente de sua fertilidade. O que variaria seria a renda paga pelos capitalistas aos proprietários de terra. Assim, supondo que os salários sejam compostos apenas de trigo, e o capital, o que é adiantado como salário aos trabalhadores em trigo, a taxa de lucro será obtida de forma simples, dividindo o lucro na terra menos fértil pelo capital nela empregado. Este processo deverá continuar a ocorrer sempre que for preciso expandir a fronteira de produção de trigo para terras cada vez menos férteis. O resultado final é um aumento da renda da terra e uma queda na taxa de lucros, enquanto os salários permanecem os mesmos em termos de trigo. A articulação deste argumento com a questão da acumulação, objetivo principal do Ensaio, se dá por meio da sua hipótese de que a acumulação depende dos lucros. Veremos a seguir como este ponto evolui para a noção da lei de Say e como toda a controvérsia sobre acumulação que surge entre ele e Malthus quando estivermos analisando o capítulo XXI dos Princípios. Na medida em que a taxa de lucro é decrescente, o que decorre da necessidade de ocupar terras cada vez menos férteis, o ritmo da acumulação cairá. Resumindo: o crescimento da população e da demanda de alimentos leva à utilização de terras cada vez menos férteis que reduzem os lucros e o crescimento da riqueza de um país. Esta conclusão levará Ricardo a recomendar a importação de trigo (comprado na França mais barato evitará a utilização de terras menos férteis) no final do Ensaio. É por este motivo, então, que nosso economista inglês vai se comprometer com a ideia de livre-comércio. Não é possível, porém, evitar o exame do contexto no qual o Ensaio é escrito. Estava em curso um debate expressivo sobre a importação de cereais no Parlamento inglês a partir do fim das Guerras Napoleônicas. Ricardo apresenta toda essa teoria descrita com o claro intuito de influenciar politicamente o debate. Seu argumento muito bem construído combatia as Corn Laws, que proibiam a importação de trigo se seu preço descesse abaixo de determinado limite. Esta legislação tinha como objetivo a proteção da agricultura inglesa contra a concorrência externa e, como consequência interessante, a garantia da manutenção das rendas dos proprietários de terra. RICARDO E A TEORIA DO VALOR. 1)Trabalho comandado e Trabalho contido. O debate sobre o valor na teoria clássica se dá no confronto dos trabalhos de Smith e Ricardo. Ambos os autores concordam sobre o valor de uso das mercadorias, afirmando que é o caráter útil dos produtos que os torna mercadorias. Porém não é seu valor de uso que determina seu valor de troca. As discordâncias entre os autores começam em relação à medida do valor de troca. Smith propõe que o “trabalho comandado” seja a medida do valor de troca. Ou seja, a quantidade de trabalho que se pode comprar com o valor expresso no preço de uma mercadoria ao salário corrente. Ricardo tem uma visão diferente. Aponta o “trabalho contido” como referência, ou seja, o número de horas de trabalho diretamente e indiretamente necessárias para produzir a mercadoria. É interessante notar, porém, que ambos os autores tomam o trabalho como medida para explicar os preços das mercadorias. A noção tanto de Smith quanto de Ricardo é que o tempo de trabalho permite exprimir em termos quantitativos as relações econômicas entre os vários produtores em uma sociedade na qual predomina a divisão do trabalho. Smith acreditava que o preço de uma mercadoria não poderia ser medido pela quantidade de trabalho nela contida simplesmente pelo fato de que onde já houvesse propriedade privada sobre a terra e sobre o capital os respectivos rendimentos (renda e lucro) não estariam sendo contabilizados no preço. Porém o trabalho comandado não é uma explicação do valor de troca da mercadoria, mas apenas uma forma de medir este valor. Para determiná-lo é necessário conhecer antes o preço do bem — o que se quer explicar — e o salário. Sendo assim, o trabalho comandado não ajuda a explicar o porquê de um bem ter determinado valor e não um outro qualquer. Apenas nos capacita saber, dados os preços, quantas horas de trabalho são necessárias para obter cada mercadoria. Percebendo este limite na noção de trabalho comandado, Ricardo recorre ao princípio do trabalho contido para construir sua teoria do valor trabalho. Esta teoria é usada por Ricardo para medir o excedente e o capital antecipado, servindo portanto para reduzir a uma única medida estas duas grandezas heterogêneas de mercadorias. Isto permite determinar a taxa de lucro por meio da relação entre elas (excedente/capital antecipado), fechando assim sua teoria da distribuição. Distribuição e a determinação dos salários – A questão distributiva tem grande destaque na obra de Ricardo, na medida em que seu debate teórico com Malthus e com Smith se baseia fundamentalmente na visão diferenciada que possuía sobre este ponto. O pensamento de Ricardo referente à distribuição evidencia um conflito de classes entre trabalhadores, capitalistas e proprietários de terra no processo de distribuição do produto. Mais intenso entre os dois últimos do que entre os primeiros e os capitalistas. A questão da distribuição do excedente entre lucros e renda da terra surge para Ricardo no contexto de discussão sobre acumulação. O tema dos salários é tratado separadamente. Os salários reais são considerados um dado por todos os clássicos. O ponto de partida do conceito de salário real é o conceito de subsistência. A subsistência de um trabalhador é entendida como a quantidade e a variedade de mercadorias que compõem do que em determinado local e período histórico se considera o padrão de consumo mínimo necessário para a manutenção do trabalhador e sua família. A subsistência equivale ao salário natural e é determinada tanto por condições fisiológicas quanto por condições históricas e culturais, incluindo então, conforme definiu Ricardo, “aqueles confortos que o hábito torna absolutamente necessários”. Apesar de o conceito de subsistência não ser homogêneo entre todos os clássicos, e todos restringirem a determinação do salário real a este conceito, o mais importante é que todos concordavam em um ponto: os salários eram regulados por forças econômicas e sociais que seriam mais bem estudadas se analisadas separadamente daquelas que afetam o produto social e suas demais partes. Assim, os salários reais serão considerados dados, ou magnitudes de variação independente, quando se aborda a determinação e a distribuição das outras partes do produto social. Ricardo dedica o capítulo V dos Princípios à análise dos salários. Talvez este capítulo reflita a influência que Malthus exerceu sobre ele. Segundo Malthus, a oferta de alimentos não poderia crescer no mesmo ritmo que a população. A fome, a miséria, as epidemias, entre outros fatores, reduziriam a oferta de trabalhadores, gerando um ajuste natural para a oferta de alimentos e crescimento demográfico. Baseando-se nesta concepção, Ricardo criou uma dinâmica para a determinação dos salários de mercado. A noção de salário natural permanecia ligada à ideia de subsistência do trabalhador, mas o salário de mercado seria determinado por uma interação entre o tamanho da população (a oferta de trabalho) e o nível de emprego (demanda de trabalho). O ajuste do salário de mercado em relação ao salário natural ou de subsistência era determinado pela variação da oferta de trabalho. A oferta de trabalho era regida pela teoria da população malthusiana. Ou seja, Ricardo supunha que os filhos dos trabalhadores sobreviveriam em maior número sempre que os salários tivessem maior poder de compra, enquanto sobreviveriam menos quando o poder de compra de seus salários caísse. Assim, salários altos determinavam uma expansão do número de filhos vivos de trabalhadores. Consequentemente, a oferta de trabalho aumentaria, acirrando a concorrência entre os trabalhadores pelo emprego, o que se refletiria em uma redução dos salários que voltariam ao seu preço natural. Se esta redução situasse o salário abaixo do nível de subsistência, a mortalidade infanto-juvenil aumentaria, a oferta de trabalho diminuiria e o preço de mercado alcançaria outra vez o preço natural (nível de subsistência). Embora situando-se ora acima, ora abaixo, os salários de mercado gravitariam em torno do nível de subsistência. O preço de mercado tenderia por esta “lei natural” a coincidir com o preço natural do trabalho.
RICARDO, DAVID (1772-1823)