Economista, sociólogo e político sueco, especializado em estudos sobre populações marginalizadas e países subdesenvolvidos. Recebeu, juntamente com F.A. Hayek, o Prêmio Nobel de Economia em 1974. Myrdal está entre os principais representantes da escola econômica do equilíbrio monetário, que vê nas taxas de juros o fator cujas variações podem assegurar a igualdade da poupança e do investimento, criando em consequência uma situação de equilíbrio. Em Monetary Equilibrium (Equilíbrio Monetário), 1931, desenvolveu a análise das antecipações e introduziu os conceitos ex-ante e ex-post, para distinguir, na análise de um processo econômico delimitado no tempo, as ações projetadas no início do período (ex-ante) e aquelas adotadas no fim do período (ex-post). Ao inserir a noção de tempo no centro do equilíbrio monetário, Myrdal obtém um conceito financeiro, o de rendimento do capital real. Para ele, existirá equilíbrio monetário quando o conjunto dos lucros das diversas empresas provocar, durante o período, um montante de investimento que absorva o capital disponível. Esse conceito compreende não apenas a poupança, mas também o acréscimo de valor do capital durante o período (ou sua redução, em caso de perda) pelas previsões exatas ou errôneas dos empresários. A partir desse raciocínio, Myrdal chega a uma definição dinâmica da igualdade keynesiana entre poupança e investimento. Para ele, essa igualdade é temporalmente realizada, isto é, ocorre entre um momento ex-ante e um momento ex-post. Se, no início, a poupança é inferior ao investimento, ela aumentará no curso do período pelos lucros obtidos, se bem que, ex-post, “o montante do investimento absorverá o capital disponível”. E, inversamente, se a poupança for superior ao investimento ex-ante, ela deverá reduzir-se ao final. A Causação Circular Cumulativa – Num de seus mais importantes livros, “O Dilema Americano”, Myrdal desenvolveu o conceito de “causação circular cumulativa”. Na linguagem cotidiana, nós conhecemos provavelmente alguns destes tipos de processos como círculos viciosos ou virtuosos. Ou seja, situações nas quais processos de retroalimentação fazem com que um acontecimento desfavorável se aprofunde continuamente, ou que algo favorável confira um impulso positivo a si próprio continuamente. Esta ideia poderá não parecer tão surpreendente. No entanto, na ciência econômica, a visão generalizada dos processos sociais é a de que eles tendem tipicamente para o equilíbrio. Nesse caso, se um choque externo provocar uma alteração na trajetória de uma economia, forças do próprio sistema tenderão a levá-la de volta à situação inicial. Um desequilíbrio momentâneo seria contornado e o equilíbrio reposto. A visão de Myrdal é que muitas situações que são enfrentadas pelos economistas, e entre elas algumas das mais cruciais como o desenvolvimento, são muito melhor compreendidas como processos de causação circular. Sair do equilíbrio pode significar, dependendo das circunstâncias, entrar em trajetórias de melhora (ou de piora) contínuas. A Ásia e os “Soft States” – Outro conceito interessante de Myrdal é o de “Soft States”. Convidado em 1957 pela Century Foundation para realizar uma pesquisa sobre a situação da Ásia Myrdal analisa a situação de vários países como o Paquistão (ainda compreendendo o atual Bangladesh, à época conhecido como Paquistão Oriental), Ceilão (atual Sri Lanka), Indonésia, Índia e Birmânia (atual Myanmar), e desenvolve duras críticas aos respectivos governos. Considera todos eles como soft states, cuja tradução literal, “estados suaves” ou “estados moles” pode provocar confusões. O que Myrdal quer dizer não é a falta de violência contra a população nem contra outros países. Para ele, o que caracteriza estes estados é a falta de vontade para implementar objetivos políticos virtuosos declarados mas não efetivamente perseguidos. Isto não refletiria uma situação de fraqueza, bondade ou generosidade, mas uma falta de sintonia entre intenção e ação. Por exemplo, tendo declarado o objetivo de melhorar o perfil da distribuição de renda, um governo soft seria incapaz de dobrar os interesses dos ricos para atingir tais fins, ou seja, um estado pouco disposto a usar seu poder contra os poderosos. Nesse estudo, Myrdal critica duramente a situação desses países e, por tanto, o papel de suas elites. Ele denuncia, entre outras coisas, o desrespeito pelas mulheres, a falta de preocupação com o analfabetismo, o desprezo pelo trabalho manual, a corrupção generalizada e as rígidas estruturas sociais, entre outros fatores, como as causas do atraso generalizado da região. Na questão da corrupção, podemos entender que Myrdal foi um pioneiro nos estudos do assunto. No entanto, o enfoque de Myrdal era muito diferente do tom que marca hoje muitos estudos na área. Atualmente muitos veem a corrupção como algo inerente ao Estado, e portanto apontam que o caminho para o desenvolvimento passa pelo mercado, menos corruptível. Myrdal, ao contrário, ao criticar as elites que comandam tanto o estado quanto os mercados nos países subdesenvolvidos, exigia reformas profundas nas instituições políticas como sendo a única maneira de superar o atraso socioeconômico. Dadas essas condições, Myrdal manifestou na obra seu ceticismo quanto à possibilidade de que democracias do estilo ocidental fossem bem- sucedidas na Ásia. Hoje, quarenta anos depois, podemos dizer que há exemplos que mostram que Myrdal foi excessivamente pessimista. Há, todavia, outros exemplos que sugerem que ele não estava completamente equivocado. Os Efeitos “Backwash” e “Spread” – Outra questão que atraiu a atenção de Myrdal no estudo dos problemas do desenvolvimento, no livro “Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas”, foi o aprofundamento das desigualdades regionais. Com efeito, ele afirmava que o desenvolvimento tende a se concentrar em algumas regiões, sendo mantido nelas pela ação de forças retroalimentadoras. As outras, ao contrário, ficam cada vez mais à margem do progresso, num processo de causação circular cumulativa. Quando aplicada ao plano regional, a causação circular cumulativa desdobra-se em efeitos backwash e spread. O primeiro significa literalmente refluxo, e com ele Myrdal destaca que o desenvolvimento econômico de uma região pode ter efeitos perversos no desenvolvimento de outras. Este efeito operaria especialmente através do deslocamento de fatores de produção – capital e trabalho – de regiões de desenvolvimento lento para regiões de desenvolvimento acelerado. Ultrapassando o ritmo das regiões vizinhas, o desenvolvimento econômico de uma região desencadearia o efeito backwash; a diferença tenderia a se ampliar, provocando o alargamento do fosso dos desequilíbrios regionais. Ao contrário, o efeito spread se refere literalmente à capacidade de algo se espalhar, relacionando as consequências benéficas do desenvolvimento de uma região sobre as demais. Estes conceitos de Myrdal identificavam os problemas econômicos articulando-os com os sociais e históricos, e preparava o terreno para uma intervenção governamental corretora que promovesse o desenvolvimento mais acelerado num plano mais amplo do que simplesmente o crescimento econômico stricto sensu. Os Desequilíbrios do Comércio Internacional – A preocupação de Myrdal com o estudo dos processos concretos de desenvolvimento não o afastou das preocupações teóricas. Em particular, em seus estudos sobre Teoria do Comércio Internacional, uma de suas grandes preocupações depois do fim da Segunda Guerra, Myrdal não deixou de questionar as explicações das teorias ortodoxas sobre o funcionamento das relações econômicas entre os países. Resultava particularmente intrigante para ele o conflito entre, por um lado, uma teoria que afirmava que o desenvolvimento do comércio internacional tenderia a reduzir as distâncias entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos, enquanto que pelo outro lado as evidências mostravam que essa brecha não deixava de aumentar. Os Valores nas Ciências Sociais – Outra questão que Myrdal retomou no final da década de 1960 foi sua preocupação com o papel dos valores nas ciências sociais, assunto no qual vinha refletindo ao longo de vários anos. Ao publicar “Objetividade na pesquisa social”, em 1969, Myrdal considerava que a separação entre fatos e valores, princípio que orientara suas reflexões no começo de sua carreira, como algo quimérico: os fatos não se organizam sozinhos, e os valores permeiam nossa maneira de enxergar os fatos de maneira inescapável. Em tais circunstâncias, é importante que o cientista social “abra o jogo” e declare quais são os valores que o orientam. A objetividade portanto se alcança ao trabalhar a partir de nossas premissas e confrontar o que nós entendemos da realidade com o marco que deriva dessas nossas premissas. Com isso, Myrdal superou o ceticismo de suas primeiras obras metodológicas, adotando uma atitude mais otimista a partir do seu engajamento com um conjunto de valores que lhe permitem acreditar na paulatina melhora da realidade social a partir da intervenção dos seres humanos orientada pelos valores iluministas (entre os quais inclui o “Credo Americano” dos fundadores da democracia nos EUA). Nesse sentido, a elaboração do “Dilema…” representou uma virada em seu pensamento. Mais tarde, ao escrever o “Drama…”, ele destacaria a importância dos valores da modernização, também em sintonia com a visão iluminista. A Estagflação – Se o estudo dos problemas do desenvolvimento não afastou Myrdal das questões teóricas, também não fez com que ele esquecesse os problemas concretos das economias desenvolvidas. Ao utilizar seu método de análise para examinar o fenômeno da inflação combinada com desemprego aberto nos países desenvolvidos durante os anos 1970, Myrdal foi um dos primeiros a cunharem o termo “estagflação” (ou seja, estagnação com inflação). Ele fez uma abordagem crítica do problema, considerando a inflação como uma força altamente corrosiva do tecido social. A origem da crise encontrava-se para ele na diferença entre a organização dos produtores reunidos em grupos de pressão, por um lado, e os vínculos precários entre os consumidores, atomizados e desorganizados, por outro. Estes últimos estariam em desvantagem para enfrentar os oligopólios e o sistema tributário que, segundo Myrdal, favoreceria os investimentos e os ganhos especulativos. A solução que Myrdal propôs seria encontrada no ponto intermediário entre uma economia centralmente planejada (de comando, ao estilo daquela da União Soviética, nesse momento ainda oferecendo a imagem de se encontrar em pleno vigor econômico e militar) e uma economia de mercado onde imperasse o laissez-faire, isto é, onde a intervenção estatal fosse mínima. Este modelo consistiria na utilização do sistema de preços para efeitos de planejamento, somada à pressão governamental sobre empresas e instituições diversas para transformá-las em instrumentos de reforma. No entanto, Myrdal estava ciente que, aproveitando brechas, os poderosos muitas vezes conseguem retardar, ou até obstaculizar as reformas, eternizando uma situação de desigualdade econômica e social. Myrdal não conseguiu dar uma resposta para isso, e talvez ela não exista, mas parece claro que para ele tentar e errar é uma opção preferível a aceitar as realidades dadas de forma passiva e resignada. De qualquer maneira, na opinião de Myrdal, uma possibilidade interessante seria a de que os diversos grupos da sociedade chegassem racionalmente a um acordo que fosse vantajoso para todos. A política de rendas muito empregada na Suécia do após-guerra seria um bom exemplo da solução rumo à qual Myrdal sinalizava. Myrdal foi ministro do Comércio da Suécia (1945-1947) e assessor econômico da ONU para a Europa (1947-1957). Entre outras obras, escreveu: Price Formation under Changeability (Formação do Preço sob Mudança), 1927; An American Dilema (Um Dilema Americano), 1944; Economy Theory and Underdeveloped Regions (Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas), 1957; Value in Social Theory (Valor em Teoria Social), 1958; Beyond the Welfare State (Além do Estado de Bem-Estar), 1960; Challenge to Affluence (Desafio à Riqueza), 1963; Asian Drama: An Inquiry into the Poverty of Nations (O Drama Asiático: Uma Investigação sobre a Pobreza das Nações), 1968; The Challenge of Word Poverty (Desafio da Pobreza Mundial), 1970, e Against the Stream — Critical Essays in Economics (Contra a Corrente — Ensaios Críticos em Economia), 1973. Veja também Causação Circular.